quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

RIP betoneira.

A obra na avenida onde trabalho tá enchendo o saco de todo mundo. Menos o dela. Do alto de seus bem vividos dois anos e quase meio, apaixonou-se primeiro pela escavadeira, depois pelo trator e finalmente pela betoneira, a ponto de pedir réplicas de brinquedo. Descobri que a Caterpillar faz miniaturas de suas máquinas em plástico duro, à prova de Ninazillas, e levei pra casa um trator e uma escavadeira - boneca pra quê, né? Betoneira não tinha; fiquei devendo. 

A decepção teve lugar quando todos eles sumiram da obra - escavadeiras, tratores, betoneiras. Ficaram apenas uns caminhões comuns, que ela achou "meio chatos". Perguntou pra onde haviam ido as máquinas interessantes. A sabichona aqui, muito dona de si mesma, respondeu que elas já tinham acabado o serviço (com uma pontinha de esperança que isso fosse verdade, porque o trânsito, ó...) e foram trabalhar em outro lugar.

- A betoneira foi pro céu, mamãe?

COF COF COF. 

Primeira coisa que me perguntei: "quem demônios ensinou pra essa menina esse negócio de céu?" E senti algo parecido com indignação: "agora toca ensinar que não existe céu nem inferno, muito menos papai do céu ou diabo, que os livros ditos sagrados estão cheios de histórias bonitas que são, no máximo dos máximos, simbólicas. Ai meu Cristóvão Colombo".

Virei ateia lá pelos quinze anos. Antes da internet, e do contato que acabei tendo com gente que pensava como eu, nunca fiquei elucubrando sobre o impacto que minha condição de descrente poderia ter nas outras pessoas. Jamais quis ser militante - cá pra nós, um ateu militante é tão chato (pra não dizer perigoso) quanto um fanático religioso. Porém, fiz primeira comunhão e adorava as aulas de catecismo: quase todas as tarefas de casa consistiam em desenhar, e meu desenho do papai do céu era o mais clássico possível, de barba branca, sentado na nuvem, sorrindo. Antes disso ainda fui batizada; aos sete anos, era um estranho no ninho, todos os meus amigos batizados e eu lá portando pecado original. Minha mãe nem arriscou o "você não é todo mundo", apenas agendou o convescote pro mesmo dia da minha festa de aniversário e eu pude escolher tanto meus padrinhos quanto meu vestidinho xadrez com chapeu combinando. Não dá pra dizer, todavia, que alguns anos mais tarde uma dúvida muito grande me assaltou, que eu pus minhas crenças em xeque, etc. Acho que eu já não acreditava muito naquilo tudo, e só queria mesmo desenhar o papai do céu. 

Vantagem? Nem acho. Como ateia criada por família "católica apostólica brasileira" (dizia um ex namorado, referindo-se aos não praticantes), acredito que tenha ficado com o pior dos dois mundos. Não quero falar sobre a perda agora, mas o evento morte, que já é difícil para um ateu porque ele não acredita em vida eterna (oi?), me parece pior ainda para um católico, com seus ritos funestos (pra não dizer bizarros) e a incerteza de o morto estar batendo na porta do céu ou sentado no colo do capeta - ver South Park, Dead Celebrities. Do mesmo modo, acabei assimilando um pouco daquela culpa pelo ser e pelo ter, que alguns dizem ser característica dos católicos, embora eu acredite tanto na doutrina quanto o meu grampeador. 

Bobagem minha preocupação com a pergunta da Nina sobre o céu, eu sei. Eventualmente, ela vai decidir se existe céu, inferno, anjos trombeteiros and such. Mesmo descrente, às vezes me pego pensando que talvez fosse melhor que ela abraçasse uma fé que lhe tranquilizasse nos momentos difíceis e lhe multiplicasse a alegria em momentos felizes. Nem que seja pra acreditar no Flying Spaghetti Monster. Depois penso que crer nisso aí e na Arca de Noé dá quase na mesma, e volto a achar que estamos todos metidos na mesma maluquice coletiva. Inclusive eu, que sou uma das exceções que confirmam a regra. 

Meu contato com outros ateus e com religiosos na web me fez perceber que sofremos uma certa carga de preconceito. Quer dizer, sofremos não, porque ninguém tá nem aí pro que eu falo ou faço. Falo de ateus conhecidos, expostos. O melhor exemplo brasileiro é o Drauzio Varella, até porque ele aparece na Globo. Foi o cara dizer que é ateu e apareceram páginas e mais páginas na internet chamando-o de charlatão, sem noção e outros ãos. Caso interessante também é o do Neil DeGrasse Tyson, que nem gosta de ser chamado de ateu - justamente por achar que a lógica ateia é parecida com a lógica religiosa - e por isso recebe bombardeios de ambos os lados. Pessoalmente, sofro algum bullying de leve, contudo na maioria dos casos os crédulos apenas me olham como se fosse um ser de outro planeta: "Nossa, nunca conheci alguém que não acreditasse em deus!!!", gargalhou minha manicure. Meu chefe, já mais compreensivo, e tentando captar o que se passa na minha cabecinha morena, fez pergunta de Fuvest: já que eu não creio em nada, qual seria então o sentido da vida???

Hum. Por enquanto, encontrar uma loja de brinquedos que me venda uma betoneira de plástico. 



imagem daqui

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